terça-feira, 16 de novembro de 2010

Trabalho & Ergologia

Organizado pelos franceses Yves Schwarz e Louis Derrive, o livro Trabalho & Ergologia: conversas sobre o trabalho humano, apresenta, em forma de conversas, um enfoque diferente sobre o conceito de trabalho: o ponto de vista da atividade humana. Este é o objeto de estudo da Ergologia, complexo de novas condutas no campo das ciências humanas e do trabalho que, em vez de estudar a simples execução de tarefas, se concentra no conceito de atividade. Segundo os organizadores da edição brasileira, Milton Athayde e Jussara Brito, "A Ergologia propõe uma análise 'situada', apostando na potência humana de compreender-transformar o que está em jogo, (re)inventando, criando novas condições e um novo meio pertinente - a si e à situação. Uma análise que opera com o ponto de vista da atividade, atraindo e permitindo um diálogo sinérgico entre profissionais oriundos de diferentes disciplinas científicas e profissionais que alimentam os saberes da prática". De acordo com Louis Durrive, Trabalho e ergologia... não é uma conclusão em si mesmo, mas o ponto de partida para outros debates sobre a questão do trabalho. "É um encadeamento de conversas guiadas por um fio condutor - o da atividade: conversas cuja ambição não é demonstrar, mas evocar, suscitar uma reflexão sobre questões da atualidade".


Trechos do capítulo 2 do livro Trabalho & Ergologia: conversas sobre o trabalho humano, organizado por Louis Durrive & Yves Schwartz, publicado pela editora EDUFF, 2010.

Este capítulo, trata-se de uma conversa com o ergonomista Jacques Duraffourg sobre “O trabalho e o ponto de vista da atividade”.

“Fui chamado por uma queijaria para ver se não havia um meio de automatizar a viragem dos queijos na fase de afinação do produto. Virar queijos não é um problema muito complicado para mim. Fui ver as instalações, fiz meu trabalho com seriedade, e concebi e implantei um robô que vira os queijos. E meu robô funciona muito bem: ele “vê” um queijo e paf (ele faz o gesto), ele o vira,nenhum problema. Alguns meses mais tarde o patrão me chama: existem problemas de qualidade, a frequência das reclamações de clientes aumentou e ele tinha até perdido fatias de mercado. É a afinagem que tem problemas, ele me diz.Como engenheiro de automação, eu não compreendo. Eu fui lá ver: ora, meu robô funciona muito bem: “ele vê” um queijo, e paf, ele o vira. Mas me vem agora na memória que as operárias, que faziam esta operação manualmente, não viravam todos os queijos: elas pegavam alguns, tocavam-no, as vezes os cheiravam e não os viravam. Talvez esteja aí o problema do meu robô”.

Levar a sério o trabalho que achamos que é simples

Esta história permite ilustrar perfeitamente a maneira como é possível interpelar a empresa a partir do trabalho. A discussão começou a partir do que parece, à primeira vista, uma anedota. A operação de virar os queijos é mais complicada do que todos pensavam. Ela foi reduzida a uma sucessão repetitiva de um mesmo gesto, enquanto não havia na realidade nenhum automatismo: cada gesto da operadora é o resultado de um diagnóstico que mobiliza seu nariz, sua sensibilidade tática, seu cérebro, evidentemente, a fim de tomar a cada vez uma decisão capital no que diz respeito à qualidade. É a partir desta visão simplista do trabalho que, num primeiro momento, foi tomada a decisão de automatizar a viragem dos queijos, que em seguida o robô foi concebido, e que por fim a supressão dos empregos foi decidida. No fim, a empresa perdeu faixas de mercado. O engenheiro de automação toma consciência disto no seminário: “meu robô não funcionava muito bem, o problema é que ele não sabe apalpar os queijos!”

(...)

Interroga-se ao mesmo tempo as escolhas do chefe da empresa, a concepção da tecnologia, da produtividade... Interroga-se também a maneira como o projeto foi conduzido. O engenheiro de automação foi ver a viragem dos queijos um pouco como um “turista”. As operadoras não foram chamadas a participar. Se elas tivessem sido associadas à escolha do robô, talvez elas saberiam explicar que a viragem não era sistemática, que de tempos em tempos é preciso respeitar vinte e quatro horas de distância, etc. Sem dúvida existe uma variedade de critérios: minha experiência me faz acreditar que a atividade é ainda bem mais complicada do que diz o engenheiro de automação. O que sempre acontece é que o investimento em um robô se traduz numa supressão de empregos. Não estou dizendo que não se deva colocar um robô para conservar os empregos. Estou dizendo que neste caso, as supressões de emprego – decisão grave, se for o caso – são em grande parte consequência de uma visão simplista do trabalho.

Aí está, para que serve o ponto de vista do trabalho...

(...)

Volto um instante ao meu exemplo do queijo. O que era visto do trabalho destas mulheres? Somente um gesto. No limite, se virar os queijos durante o dia todo só se reduzisse efetivamente a um gesto, se o trabalho só fosse isto na realidade, então automatizemos o mais rápido possível! Não vamos condenar as pessoas, oito horas por dia, a virar os queijos, se isto se limita a um gesto. Felizmente não é o caso. Por trás dos gestos os mais simples, há sensibilidade, estratégia, inteligência, todo um saber-fazer amplamente subestimado! Fazer ergonomia é, através da análise da atividade, dar conta desta riqueza. Fazendo isto descobrimos o quanto é escandaloso tudo o que impede, nas situações de trabalho, as pessoas de empregarem todas as suas potencialidades.É graças às mesmas que as empresas sobrevivem, que os produtos são de boa qualidade,que as máquinas recebem manutenção, etc. Fundamentalmente, é isto o ofício das pessoas.

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